Disciplina - Matemática

Matemática

14/04/2008

Entrevista com Galileu: "Sou para eles uma espécie de inferno!"

Ciência Hoje – Uma pequena curiosidade: tem-se encontrado com aqueles que o condenaram?
Galileu – Claro, é a toda a hora!
CH – E como é a vossa relação?
Galileu – É uma festa: passo por eles e ponho-me aos gritos: “Então? Move-se ou não se move?” Vou atrás deles com fotografias de satélites da NASA. Divirto-me muito! No fundo, sou, para eles, uma espécie de inferno.
CH – Voltaremos a essa questão, mas antes gostaríamos que nos falasse um pouco da sua infância.
Galileu – Muito bem, nasci em Pisa, no dia 15 de Fevereiro de 1564. O meu pai chamava-se Vincenzo Galilei. Apesar de pertencer à nobreza, o dinheiro era escasso. Dedicou-se à Música e à Matemática, tendo alcançado alguma notoriedade.
CH – Pode detectar-se aí alguma influência no gosto pela Matemática?
Galileu – Pode ser, mas desconfio que haja algo mais. O meu pai pensava que era absurdo provar algo apenas com base no peso de uma autoridade. Talvez por isso também eu tenha levado a vida a investigar, procurando retirar as minhas próprias conclusões em vez de me limitar a aceitar passivamente o saber estabelecido.
CH – Continuando a acompanhar a sua juventude, ao fim de algum tempo, mudaram-se para Florença.
Galileu – Sim, por volta de 1570. A família do meu pai tinha vivido aí durante gerações. Fui estudar para o Mosteiro de Vallombrosa, perto de Florença.
CH – E quais eram os seus interesses, quando criança?
Galileu – Desde cedo, comecei a interessar-me por Matemática e por Mecânica, o que deixou os meus pais preocupados.
CH – Porquê?!
Galileu – Eram atividades pouco lucrativas. Não queriam outra geração arruinada.
CH – Que desejavam, então?
Galileu – Queriam que fosse médico, que é uma profissão em que os clientes estão sempre assegurados. Por isso, em 1581, estava matriculado em Medicina, na Universidade de Pisa.
CH – Como foi essa passagem?
Galileu – Sou mais uma prova de que só se deve tirar um curso por uma razão: gosto pelo saber. Aprender é uma coisa, arranjar um emprego é outra. Como médico, poderia ter sido mais rico, mas não teria sido um bom profissional. Como aluno de Medicina, acabei por usar o tempo para estudar Matemática e Filosofia. No segundo ano, descobri o isocronismo do pêndulo. Em 1585, saí da Universidade sem ter alcançado nenhum grau acadêmico.
CH – Como passou a subsistir, então?
Galileu – Comecei a dar lições privadas em Florença e em Siena. Ao mesmo tempo, ia investigando: foi neste período que inventei a balança hidrostática para pesar pequenas quantidades e escrevi um pequeno tratado intitulado La Bilancetta que circulou em manuscrito. Em 1588, candidatei-me à Universidade de Bolonha para dar aulas de Matemática e fui recusado.
CH – De qualquer modo, no ano seguinte, conseguiu um lugar na Universidade de Pisa.
Galileu – É irônico, não é? A mesma universidade onde não obtive nenhum título como aluno aceitou-me como professor. Isso deveu-se ao trabalho que já vinha desenvolvendo há uns anos, com vários manuscritos a circular pela Europa. Alguns amigos que admiravam as minhas qualidades, como Guidolbaldo del Monte, ajudaram-me a alcançar essa posição. Foi nessa altura que avancei com a minha teoria da queda dos corpos, contrariando, mais uma vez, preconceitos empíricos e séculos de aristotelismo.
CH – É verdade o que disse o seu biógrafo Vincenzo Viviani que provou essa teoria deixando cair objetos do alto da Torre de Pisa?
Galileu – Mesmo que não fosse verdade, acha que vale a pena vir agora contrariar o homem?
CH – Ficou, então, por Pisa até 1592.
Galileu – Exato: nesse ano, mudei-me para a Universidade de Pádua. Tive direito a um salário mais alto e a uma posição mais proeminente.
CH – Por aí ficou dezoito anos. Como foi esse período?
Galileu – O costume: aulas, invenções e escrita. Foram anos maravilhosos, durante os quais investiguei como quis, sem ser incomodado.
CH – Sim, mas houve uma novidade em termos amorosos…
Galileu – Mas isto está a transformar-se numa revista cor-de-rosa? Pronto, é verdade, foi em Pádua que conheci Marina Gamba, com quem nunca casei e de quem tive duas filhas e um filho. Podemos voltar ao cientista?
CH – Com certeza. Diga-nos, então, o que de mais relevante se passou, então, nesse âmbito?
Galileu – Entre muitas outras coisas, inventei um termômetro e um compasso proporcional. Vendi este por um bom preço.
CH – Foi também nessa altura que inventou o telescópio.
Galileu – Não inventei o telescópio, mas desenvolvi-o. O mérito da invenção pertence a Lippershey, um fabricante de lentes holandês. Além disso, ao princípio, aquilo era uma luneta.
CH – E quando passou a ser um telescópio?
Galileu – Quando o usei para observar o céu.
CH – O que aconteceu nesse momento?
Galileu – Apareceram estrelas que nunca tinham sido vistas, vi manchas no Sol, observei elevações e depressões na Lua, concluí que a Via Láctea era um conjunto de estrelas e descobri quatro satélites de Júpiter.
CH – Não por acaso deu-lhes os nomes de estrelas Medicis, família a que pertencia Cosimo, Grão-Duque da sua Toscânia natal.
Galileu – Ó meu amigo, naquele tempo – não sei se hoje ainda é assim – era importante ter amigos poderosos. Acabei por ser convidado para integrar a corte de Florença como matemático e filósofo.
CH – Diz-se que terá afirmado que a principal razão para mudar terá sido a falta de qualidade do vinho na zona de Veneza.
Galileu – Essa já seria razão mais do que suficiente e talvez decisiva.
CH – Entretanto, assumiu a defesa das teorias de Copérnico.
Galileu – Sim, mas já antes acreditava nisso. Pergunte ao Kepler, que também anda por aqui: em 1597, escrevi-lhe uma carta onde já defendia o sistema heliocêntrico. No entanto, é verdade que foi em 1612, com as cartas acerca das manchas solares, que tornei pública essa idéia.
CH – Foi também aí que começaram os problemas com Roma.
Galileu – Pois, fui chamado à presença do cardeal Belarmino que me avisou para não defender nem ensinar as idéias de Copérnico. É preciso ver que este foi o mesmo homem que conduziu à morte de Giordano Bruno. Digamos que senti um certo cheiro a queimado.
CH – Ficou, então, em silêncio durante uns anos.
Galileu – Sim, embora não tenha deixado de investigar. Em 1623, fiquei esperançado numa mudança, quando o meu amigo o cardeal Maffeo Barberini foi eleito Papa Urbano VIII. Ora, sendo ele um florentino amante das artes e das ciências, senti que tinha condições para retomar as minhas investigações.
CH – O que veio a revelar-se um engano.
Galileu – É verdade, a Santa Sé é uma máquina muito pesada. Publiquei, em Fevereiro de 1632, o Diálogo sobre os dois Grandes Sistemas do Mundo.
CH – Em que havia uma forte presença das idéias de Copérnico.
Galileu – Exato. E em Outubro do mesmo ano, fui intimado a comparecer diante do Santo Ofício, em Roma. Ainda tentei que o processo decorresse em Florença, mas foi-me negado.
CH – Em Fevereiro do ano seguinte estava em Roma.
Galileu – Após uma viagem de 23 dias, com quase setenta anos e cheio de problemas de saúde.
CH – Como foi o processo?
Galileu – Se é certo que não fui torturado fisicamente, só eu sei como foi penoso. Em Dezembro, declarei que estava arrependido e afirmei o contrário do que pensava, reconhecendo publicamente que a Terra estava no centro do Universo e que não se movia. Pode parecer cobardia, mas a vida pareceu-me uma dádiva suficientemente preciosa para merecer uma mentira. Além disso, aqueles senhores estavam a pedir para ser enganados.
CH – É verdade que murmurou “E, no entanto, move-se” quando finalmente saiu?
Galileu – Não me lembro, mas que pensei nisso, pensei.
CH – Como se sente sabendo que deu um contributo fundamental para que a ciência se emancipasse da fé?
Galileu – Acredito que seria um Deus muito cruel aquele que nos criasse dotados de razão proibindo-nos de utilizá-la. A autonomia da ciência foi um processo natural, de que me orgulho de ter feito parte, mas iria acontecer mesmo com outro Galileu qualquer.
CH – Como comenta o fato de a Igreja só o ter reabilitado em 1992?
Galileu – É caso para dizer que é muito mais rápida a condenar do que a perdoar. O curioso é que uma instituição que nasceu do martírio não tenha percebido que a humanidade respeita sempre os mártires. Agora, peço desculpa, mas está na hora da minha discussão diária com Aristóteles.
Fonte: CiênciaHoje.

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