Disciplina - Matemática

Matemática

27/04/2011

Livro tenta provar que matemática também é interessante, inteligente e divertida

Se você é daqueles que não gosta de matemática, não sabe o que está perdendo. Além de ser uma das bases mais importantes da ciência, a arte dos números tem história milenar, se liga ao conhecimento metafísico e religioso, tem relação com as artes plásticas e a música e, além disso, gerou os mais interessantes passatempos e jogos intelectuais de que se tem notícia. Para os que ficaram apenas com a memória das provas do colégio, o livro Alex no país dos números – Uma viagem ao mundo maravilhoso da matemática, do inglês Alex Bellos, tem tudo para se tornar a porta de entrada num universo fabuloso. Alex é jornalista, formado em matemática e filosofia, que foi correspondente do jornal britânico The Guardian no Brasil, entre 1998 e 2003. A estada gerou o livro Futebol: o Brasil em campo, lançado no país em 2002.
Mais que uma história da matemática, escrita com objetivos didáticos e seguindo uma cronologia clássica, Alex no país dos números é uma coleção de 12 ensaios que abrangem os grandes temas da ciência dos números. O primeiro capítulo, que leva o número zero, de certa maneira antecipa a preocupação propriamente matemática, buscando as raízes do que seria a intuição para os números. Os personagens dessa pré-história são índios da etnia mundurucu, da Amazônia brasileira, incapazes de contar além de cinco. O autor recorre a estudos com animais e crianças de diferentes culturas para traçar o que seria uma psicologia genética da habilidade para os algarismos. O capítulo zero (aliás, a noção de zero é uma das estrelas do livro) cria a base para o que de fato interessa a Alex Bellos: a relação entre homens, números e mundo. Nossos mundurucus, por exemplo, em vez de pré-matemáticos, demonstraram uma inclinação mais logarítmica que aritmética, o que permitiu que se organizassem como sociedade e sobrevivessem por vários séculos em seu ambiente.
Nos capítulos seguintes, Alex Bellos trata de matemática, estatística, aritmética, álgebra, geometria e outros ramos do conhecimento ligado aos números. O método permite ao autor mesclar material histórico, pesquisas científicas de várias naturezas e curiosidades. Mesmo escrito para leigos, há passagens que obrigam o leitor a recuperar suas lições da escola, mas nada que vá além dos conhecimentos básicos, o que torna Alex no país dos números um livro bastante acessível. Como explica o autor, diferentemente das ciências humanas, feitas de sucessivas superações, a matemática é a história da matemática e grande parte de seu patrimônio permanece tão válido hoje como no tempo de Euclides e Pitágoras.
Há várias descobertas à espera do leitor. No capítulo um (na verdade, o segundo), “A contracultura”, Alex Bellos mostra que a tirania do sistema decimal não calou outras formas de contar, havendo até mesmo movimentos políticos para defender o sistema dozenal (base 12). O autor apresenta o criativo método chinês que permite contar até 10 bilhões usando apenas os dedos da mão, ou o sistema dos yupnos, de Papua-Nova Guiné, em que cada indivíduo carrega no corpo todos os números. Sem falar nos portentos da base 2, ou binária, que permitiu a linguagem dos computadores e o sistema de oráculos do I Ching. Completa o ensaio a visita do autor a uma escola japonesa, na qual os alunos calculam com ábaco em ritmo vertiginoso, álacre e incompreensível para grande parte dos ocidentais.
Crochê hiperbólico
Alex Bellos vai conduzindo o leitor em sua viagem sempre com um pé no rigor e outro na surpresa. É esse estilo que permite se aproximar, por exemplo, da numerologia e do teorema de Pitágoras no mesmo capítulo. O autor lembra os múltiplos interesses do filósofo grego, sua compreensão matemática da música e as centenas de formas que a tradição foi inventando para demonstrar seu teorema mais célebre. No mesmo capítulo, revela a ordem geométrica dos origamis, propondo que o especialista japonês em dobraduras Kazuo Haga talvez tenha sido quem melhor incorporou a alma pitagórica no mundo moderno.
Um dos ensaios mais interessantes do livro de Bellos, “Algo sobre nada” apresenta o personagem Shankaracharya Puri, homem santo indiano, um dos mais importantes líderes hinduístas, seguidor de uma ordem monástica que remonta a mais de mil anos. Entre outras habilidades, foi um matemático admirável. A referência à Índia chega até a figura de Buda, que teria criado um número tão grande que era o único capaz de medir o universo. Há outros portentos na matemática do país, como a escola védica, que defende outro método para a realização de cálculos, tão exata como inusitada para os nossos hábitos mentais. E, no lance supremo de sabedoria, vem da Índia a grande criação da matemática, o número zero e sua relação com a espiritualidade: o nada e a eternidade. “O orgulho pela invenção do zero ajudou a transformar a excelência matemática em um aspecto da identidade indiana”, define Alex Bellos.
O mais misterioso de todos os números, pi, com todos os esforços para sua compreensão e apresentação no máximo de casas decimais possíveis, é objeto do capítulo “A vida de Pi”. Quanto mais algarismos são encontrados em pi (com os computadores ele passa de dois bilhões de casas decimais), mais se evidencia uma regra paradoxal: ele não obedece a nenhum padrão até hoje conhecido.
No ensaio “A hora do recreio”, Alex Bellos mergulha nos quebra-cabeças numéricos, jogos e tudo que pode ser incluído na categoria de matemática recreativa. Quem pensa que se trata de coisa de criança se engana. Essa fatia da vida dos números atrai milhões de pessoas todos os dias, que se debruçam para resolver os problemas de sudoku nos jornais e revistas. Como mostra o autor, a ideia do quadrado mágico remonta à China de 2000 a. C. Bellos trata ainda de outros jogos de sucesso, como o tagram, o stomachion, o fifteen e o mais bem-sucedido de todos, o cubo de Rubik ou cubo mágico.
Ao fim da viagem, o autor apresenta a mais ousada das ideias, fruto da matemática contemporânea, a partir de Cantor, que rompe com as limitações da geometria euclidiana. As chamadas geometrias não euclidianas afirmam a possibilidade de um universo que rompe todas as regras, criando um universo hiperbólico. Em vez de números, Alex Bellos lança mão de um modelo feito em crochê por Daina Taimina, que traduz em um objeto palpável o que é uma ideia revolucionária. Um mundo que parece perto dos números infinitos.
Na conclusão, o autor retoma a sabedoria dos índios mundurucus, que tinham mais coisas que podiam contar. E completa com a descoberta de Cantor, que nos deu todos os números quando “já não existem tantas coisas assim para contar”.
Matemática é bacana
O jornalista inglês Alex Bellos se deu uma missão difícil: fazer da matemática um prazer. Seu livro Alex no país dos números percorre a história sem preconceitos com alta ciência – que busca traduzir em linguagem didática – nem com as aplicações mais populares, em forma de jogos e passatempos. Depois de morar no Brasil por cinco anos, faz questão de destacar o papel de Malba Tahan como um dos grandes divulgadores da matemática no século 20. E aconselha aos jornalistas mais atenção com os números.
Como tornar o ensino da matemática mais interessante?
Este é um problema, já que a matemática tem uma imagem muito ruim. Os alunos nas escolas acham que é legal não gostar. Meu livro não é didático. A ideia é mostrar que há coisas na matemática que são fáceis de entender e muito interessantes. Meu objetivo é melhorar a imagem da matemática, mostrar que é muito cool. Se os pais, em casa, falarem que a matemática é legal, há mais chances de os filhos também gostarem.
Jornalistas não costumam lidar muito bem com os números, o que compromete a qualidade de análises. Como mudar essa história?
É importante dar ênfase à formação matemática de jornalistas. Além de aritmética, é preciso entender vários conceitos de matemática, como a regressão à média, por exemplo. Na Inglaterra existem institutos ligados à matemática e estatística que dão palestras para jornalistas.
A matemática está ligada à ciência e ao mesmo tempo a passatempos e jogos. É possível juntar os dois mundos?
Sim, claro. Há vários exemplos de avanços científicos muito importantes que só foram possíveis porque matemáticos ficaram interessados em jogos e passatempos. Por exemplo, a ciência da probabilidade veio por causa das conversas de Pierre Fermat e Blaise Pascal sobre jogos de azar com dados. É muito importante deixar os matemáticos brincarem...
Seu livro narra experiências com uma tribo da amazônia em sua relação peculiar com os números e grandezas. Você foi correspondente do The Guardian no Brasil. Como analisa a relação dos brasileiros com a matemática?
Vejo muita coisa interessante no Brasil ligada à matemática. O escritor Malba Tahan, por exemplo, é um dos mais bem-sucedidos popularizadores da matemática do seculo 20... e ele é brasileiro (na verdade é o pseudônimo de um brasileiro). Ele teve muito público. Também o brasileiro vê multiplicação em toda parte, toda mercadoria é vendida de forma parcelada em não sei quantas vezes. Agora, não sei se isso é porque o brasileiro entende de multiplicação ou porque não entende...
ALEX NO PAÍS DOS NÚMEROS – UMA VIAGEM AO MUNDO MARAVILHOSO DA MATEMÁTICA
De Alex Bellos
Editora Companhia das Letras, 490 páginas, R$ 44
Esta notícia foi publicada em 26/04/2011 no sítio Uai - Divirta-se. Todas as informações nela contida são de responsabilidade do autor.
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