Disciplina - Matemática

Matemática

25/05/2012

Ler matemática

Por: Thiago Camelo
Professor universitário acredita que, dentro das histórias de livros, há um universo matemático para se explorar. Lewis Caroll, Jorge Luis Borges e Edgar Allan Poe são alguns dos escritores que o educador usa em sala de aula.
O educador cubano radicado na Argentina Juan Nápoles Valdez quer formar professores de matemática. Mas isso não significa necessariamente que esses futuros professores devem dominar apenas a linguagem dessa disciplina. No método proposto por Valdez, a literatura ganha destaque. Em suas aulas, ele usa escritores como o britânico Lewis Caroll (1832-1898), o argentino Jorge Luis Borges (1899-1986), o estadunidense Edgar Allan Poe (1809-1849).
Por quê? Segundo o professor cubano, porque é uma forma de aproximar a matemática de um conhecimento que não é questionado. Afinal, diz ele, pode até haver pessoas que odeiam ler, mas dificilmente essas pessoas entrariam numa jornada contra a leitura e a literatura. Para Valdez, esse tipo de 'campanha contrária' acontece com a matemática – matéria estigmatizada como 'difícil' e 'para poucos'.
Ele desconstrói essa ideia logo no início de um artigo escrito (em espanhol) para o último número da Revista Ibero-americana de Educação Matemática.
Em longo (e apaixonado) prólogo, diz:
"Em minhas aulas, eu insisto em algo evidente: a matemática é uma outra forma [entre várias] de ver o mundo. [...] É notório, ao longo da história, que as ferramentas da matemática permitiram que nós vendêssemos ovelhas, construíssemos pirâmides e arranha-céus. Possibilitaram que nós conhecêssemos a estrutura do átomo e viajássemos a outros planetas. Mas às vezes se esquece de que a matemática é um produto cultural.Que, como outras iniciativas bem-sucedidas, foi sendo desenvolvida por homens e mulheres que dedicaram anos de estudo à matéria; que seu desenvolvimento passou por vaivéns políticos e filosóficos; que entre os matemáticos houve rancores, segredos, invejas, devoção e paixão. Que as conquistas matemáticas têm por trás de si décadas ou séculos de especulação, de aproximação e de tentativas frustradas. Valeria a pena estudar matemática ainda que a matemática não tivesse qualquer utilidade prática, assim como não existe utilidade em extasiar-se diante de uma pintura, uma sonata ou uma escultura."
O desejo de aproximar cultura e matemática, arte e ciência, faz com que Valdez utilize, em suas aulas, passagens de obras como Alice no país das maravilhas, de Lewis Caroll, para explicar conceitos como o limite de uma função.
Da literatura, diz Valdez, é possível tirar exemplos práticos para se aprender matemática; parte da lógica desse mundo absurdo visitado por Alice, segundo o professor, poderia ser explicada pela matemática.
Com o mesmo objetivo, Valdez apresenta para a turma O Aleph, conto com viés filosófico de Jorge Luis Borges, e aproveita algumas passagens para introduzir a teoria dos conjuntos. Já a partir do conto A carta roubada, de Edgar Allan Poe, o educador formula exercícios de lógica matemática.
Professor com passagem por instituições acadêmicas cubanas, argentinas e também brasileiras, Valdez publicou mais de 50 artigos em revistas científicas especializadas em matemática e história da ciência. Atualmente ele é professor do Instituto Superior de Formação Docente Dr. Juan Pujol, em Corrientes, na Argentina. Seu artigo sobre matemática e literatura está disponível, em espanhol, na internet. Leia, a seguir, as principais passagens da conversa que o Alô, Professor teve com o educador.
Ciência Hoje On-line: O senhor parece ser crítico aos estudantes dos dias de hoje. É uma impressão correta?
Juan Nápoles Valdez: Os meus alunos chegam ao curso de análise matemática não apenas com sérias deficiências de conhecimento matemático, mas também com déficit na formação sociocultural. Estas não são falhas irreparáveis, mas precisam ser corrigidas para que eles melhor desenvolvam sua profissão futura.
É aí que entra a literatura?
Sim. Apesar de todos os esforços para melhorar a apresentação do tema da minha matéria, ela continuou conservando a aura de ser uma disciplina difícil, árida e inacessível para a maior parte dos alunos.
Em um momento de calmaria, fui juntando os diferentes recursos que existem na literatura e ajudam a apresentar o conteúdo da aula. Criei um plano de aula que forma duplamente, tanto pelo viés literário quanto pelo matemático.
O senhor crê que esse tipo de estratégia educacional que mescla literatura e matemática pode ser ensinada também para adolescentes e crianças?
Sim, estou totalmente convencido disso. E é possível usar produtos culturais para se ensinar outras matérias da área de exatas também.
Que tipo de exercício poderia ser feito?
Tomemos o caso dos filmes de Guerra nas estrelas. São filmes de ficção científica ou são fantasias? Qualquer que seja a resposta, esses filmes são películas fantásticas, sem dúvida, afinal, as leis da física são absolutamente violadas na história. Há fogo no espaço, por exemplo, algo que sabemos ser impossível. É possível misturar todas essas discussões, dos gêneros dos filmes e de quais leis da física eles respeitam ou não. Acredite, é possível ensinar assim.
O senhor usou obras como Alice no país das maravilhas, O Aleph e A carta roubada. Pode falar um pouco dessa escolha?
Escolhi cada um desses textos por razões particulares, mas o importante é deter-se no sentido geral que marca todos eles: as obras serviram como um ponto de partida para o desenvolvimento dos conteúdos, para o debate de diferentes posturas epistemológicas e para analisar diferenças entre uma argumentação, uma prova e uma demonstração.
Como o senhor avaliaria o ensino de matemática na Argentina?
É um tempo difícil para se ensinar matemática na Argentina. O problema não são nem as instituições. É mais uma questão sociocultural. A onda light, a banalização dos valores e a cultura do menor esforço lamentavelmente se impuseram a nossos jovens de tal maneira que a pergunta que eles fazem para decidir se ingressam ou não num curso superior é: "Tem matemática?"
O senhor conseguiria comparar esse cenário com o estado da educação no Brasil?
Mesmo sabendo que compartilhamos realidades muito parecidas, creio que no Brasil a política do Estado para a educação se traduz em resultados mais concretos: existe a busca do desenvolvimento de talentos e os recursos para as universidades aumentaram, assim como o investimento intelectual e financeiro nos professores.
Esta notícia foi publicada em 21/05/2012 no Ciência Hoje Online. Todas as informações nela contida são de responsabilidade do autor.
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