Disciplina - Matemática

Matemática

27/09/2012

A elegância da Matemática

Por: Paulo Cesar Razuk - professor titular aposentado da Unesp

O português, assim como quase todas as outras línguas ocidentais, traz algumas dificuldades para a compreensão da Matemática pelo fato de nossas palavras numéricas não seguirem um padrão regular. Por exemplo, dizemos: vinte e um; vinte e dois, vinte e três. Mas, não se fala: “dez e um”, “dez e dois”, “dez e três” – e sim: onze, doze, treze. Onze e doze são construções únicas e mesmo que treze seja uma combinação do três com o dez, o três vem antes do dez. O jornalista e escritor Alex Bellos, em um de seus livros, menciona que, em chinês, japonês e coreano as palavras numéricas seguem um padrão regular. Onze se escreve e se fala “dez e um”. Doze se escreve e se pronuncia “dez e dois” e assim por diante até “dez e nove” para dezenove. Vinte é “dois dez” e vinte e um é “dois dez um”.

Segundo ele, um sistema regular facilita a compreensão da aritmética. Uma simples adição como 25 mais 32 já fica a um passo da resposta ao ser expressa como: “dois dez cinco” mais “três dez dois” igual a “cinco dez sete” ou cinquenta e sete. Para nós, colocar os números desta maneira pode parecer curioso, mas, isto faz muita diferença no aprendizado inicial. Experiências já mostraram que as crianças asiáticas acham muito mais fácil aprender a contar do que as ocidentais. Ainda segundo o autor, as palavras em chinês para um até nove são todas concisas e monossilábicas; podem ser pronunciadas em menos de um quarto de segundo, de forma que, num intervalo de dois segundos, um chinês pode recitar os nove números. No Japão a língua é recrutada como uma aliada. Palavras e frases são alteradas a fim de tornar as tabuadas mais fáceis de aprender.

Embora o uso adulto do ábaco no Japão tenha caído em desuso desde os anos 1970, o soroban continua sendo um aspecto marcante na formação das crianças. É uma atividade extracurricular como outra qualquer. Os níveis de habilidade com o soroban, seguindo o modelo das artes marciais, são medidos em dans e existe uma estrutura de competições locais, provinciais e nacionais. Além de ajudar no poder de concentração e da auto disciplina, no Japão, o legado do soroban é motivo de orgulho nacional. Tive um aluno nissei que chamava a atenção pela rapidez em algumas operações matemáticas: ele fazia os cálculos apenas visualizando o soroban mentalmente – segundo ele, uma técnica chamada de anzan.

Enigmas são também uma forma concisa e maravilhosa de transmitir o fator “uau” da Matemática. Em geral requerem um pensamento lateral ou dependem de verdades que vão contra a intuição. O sudoku - termo japonês que significa “o número só deve aparecer uma vez” - surgiu em 1980 em uma revista japonesa, embora a ideia deste quebra-cabeça tenha sido do americano Howard Garns. Hoje o número de jogadores regulares de sudoku passa dos cem milhões em quase todos os países.

Completar um quebra-cabeça é imensamente gratificante, mas parte da atração extra de completar um sudoku é o equilíbrio e a beleza interna do perfeito quadrado latino que lhe dá a forma. O sucesso do sudoku é o legado de um fetiche antigo e multicultural por quadrados de números. E, ao contrário de muitos outros quebra-cabeças, seu sucesso é também uma notável vitória da Matemática. Como menciona um de seus divulgadores, Maki Kaji, o quebra-cabeça é matemática disfarçada. Embora não envolva aritmética, o sudoku requer pensamento abstrato, reconhecimento de padrões, dedução lógica e geração de algorítmos. O enigma estimula uma atitude agressiva na resolução de problemas e uma apreciação da elegância da Matemática.

Vale a pena mencionar um evento cataclísmico na história da aritmética ocorrido no final dos anos 60: o falecimento da régua de cálculo por conta do nascimento das calculadoras. A régua de cálculo apareceu com a escala logarítmica quando, em 1620, o matemático inglês Edmund Gunter percebeu que conseguia fazer multiplicações somando segmentos dessa escala. Pouco depois, William Oughtred, um ministro anglicano, aperfeiçoou a ideia de Gunter juntando duas tábuas logarítmicas de madeira, uma correndo ao lado da outra. Muitos diziam que as réguas de cálculo não eram instrumentos de precisão, na verdade, nós é que éramos imprecisos ao usá-la, ou melhor, elas tinham precisão suficiente para a grande maioria das aplicações. Ela propiciava ao usuário uma compreensão intuitiva e visual dos resultados antes mesmo de se obter a resposta... ao contrário da calculadora!

O autor, Paulo Cesar Razuk, é professor titular aposentado do Departamento de Engenharia Mecânica da Faculdade de Engenharia da Unesp - câmpus de Bauru

Esta notícia foi publicada dia 25/09/2012, no JCNet. Todas as informações contidas nela são de responsabilidade do autor.
Recomendar esta notícia via e-mail:

Campos com (*) são obrigatórios.