Disciplina - Matemática

Matemática

29/11/2013

Entre matemática e literatura

GUSTAVO ROCHA

Com a tímida tiragem de 500 exemplares, Jacques Fux queria apenas que as pessoas lessem seu livro “Antiterapias”, para saber se ele era “bom realmente”. “O que o autor quer é ser lido, comentado, discutido. A grande dúvida era se meu livro era bom ou não. Poucas pessoas leem seu livro e as pessoas que comentam são as pessoas próximas. Então nunca se sabe se os comentários são apenas para agradar”, diz ele.

Desde segunda-feira, quando recebeu o Prêmio São Paulo de Literatura pelo livro, um dos principais do país, o escritor de 36 anos pode ficar tranquilo. Ele venceu na categoria autores estreantes com menos de 40 anos, no gênero ficção e embolsou R$ 100 mil. “Grande revelação com prosa dilacerante”, diz o parecer do júri, composto por Benjamin Abdala Junior, professor da USP, Cassiano Elek Machado, do jornal “Folha de S. Paulo”, a bibliotécaria Margaret Alves Antunes, o escritor Ronaldo Cagiano Barbosa, e Ubiratan Brasil, do jornal “O Estado de S. Paulo”.

“Ficar entre os finalistas já seria uma honra. Eu estava em Harvard quando soube de minha classificação”, diz o mineiro de Belo Horizonte, que tem bolsa na universidade norte-americana como pesquisador visitante, aonde desenvolve pesquisa sobre literatura, trauma e as representações artísticas na era pós-testemunho do Holocausto. Ele resolveu, então, ler todos os outros 19 livros classificados para avaliar sua real chance de ganhar o prêmio. “Eu os li e percebi que tinha uma chance de ganhar”, admite.

“Antiterapias” chamou a atenção do júri do prêmio ao levar termos da matemática para a literatura. Estudioso e admirador do trabalho do argentino Jorge Luis Borges e do francês Georges Perec, ele se inspirou nesses escritores para promover o encontro entre campos aparentemente tão distantes. “O Borges usa alguns conceitos matemáticos como o infinito para desenvolver suas narrativas ficcionais. Não é exatamente um livro didático como aqueles escritos pelo Malba Tahan, onde ele explica como algumas operações matemáticas são feitas. Busquei argumentos autobiográficos, outros históricos, alguns lirismos (como os vistos nos títulos dos capítulos). Há um personagem, Martin Bormann, um fugitivo do nazismo que, de alguma forma, sintetiza essa história de alemães que vieram fugidos para a América do Sul. Quis, também, trabalhar a linguagem, um estilo diferente de literatura”, explica Jacques.

Descendente de judeus, Jacques se utiliza de referências judaicas em seus livros, seja através de verbetes hebreus (que são traduzidos ao final do livro), seja por meio de histórias autobiográficas. Sua pesquisa em Harvard, focada em memórias traumáticas de vítimas dos campos de concentração nazistas, também são fonte para sua literatura. “Refletiu muito na minha escrita, porque as memórias dessas pessoas não são tão nítidas, são atordoados pela condição de vida dos campos de concentração. Na verdade, essa memória se dá nas lacunas e nos silêncios. Mais do que na palavra”, reitera Jacques.

Um dos objetos de estudo acadêmico do autor é justamente a literatura produzida na atualidade. Ele entende que ela consegue fazer essa sobreposição de vozes que revelam o autor. “Não consigo classificar o que é produzido no país na atualidade. Aliás, sou contrário a essas classificações. A grande beleza é poder usar a literatura para se falar de várias coisas de maneiras diferentes”, diz.

EXATAS. O caminho que levou Jacques a se tornar escritor foi cheio de curvas sinuosas. “Eu sempre gostei de ler, desde pequeno, mas sempre fui um ótimo aluno em exatas. Nunca pensei em fazer nada que não fosse engenharia. Então fui estudar engenharia elétrica, mas larguei o curso e me formei em matemática. Depois comecei a fazer mestrado em filosofia na Unicamp, larguei e fui estudar ciência da computação”.

De volta à UFMG, finalmente aconteceu o encontro com a literatura. “Fiz algumas matérias eletivas na letras. Conheci a Maria Éster Maciel e fiz um doutorado. Minha tese, ‘Literatura e Matemática: Jorge Luis Borges, Georges Perec e o Oulipo’ foi premiada e fiz uma nova edição, que virou meu primeiro livro”.

Esta notícia foi publicada em 29 de novembro 2013 em O Tempo Magazine. Todas as informações são responsabilidade do autor.
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