Disciplina - Matemática

Matemática

06/04/2008

Ser professora de Matemática: um percurso de vida

Muito cedo me interroguei sobre o que levou a Matemática a ter um significado especial para mim. A relação de "intimidade" que com ela estabeleci desde sempre, diferente da que tinha com qualquer das outras disciplinas, fez com que, chegado o momento em que temos de optar por uma vida profissional, fosse natural e quase obrigatória a escolha: professora de Matemática.
Desde o meu tempo de aluna que múltiplas interrogações me perseguem: - Porque é que esta disciplina é bendita para uns (serão mesmo poucos?) e maldita para outros (serão assim tantos?)? Porque é que algumas pessoas aprendem Matemática com a maior das facilidades e a consideram "a bela" e outros, pelo contrário, classificam-na de "monstro" e não conseguem perceber sequer os seus conceitos básicos? Porque é que tantas pessoas acham que a Matemática é imprescindível e, apesar disso, não se esforçam por a entender? O que é necessário para se aprender Matemática? Como é que se conseguirá ensinar Matemática de forma interessante e útil para qualquer pessoa?
Sempre senti a ânsia de encontrar respostas. Estas foram aparecendo, reformularam-se, deram origem a novas interrogações e foi neste ciclo que surgiu o meu grande interesse pela carreira docente.
Na verdade, quatro foram as fases que marcaram o meu percurso de professora. Na primeira fase, ainda aluna do Ensino Secundário, as interrogações surgiam umas atrás das outras; a ânsia de lhes responder era enorme, as dificuldades eram atenuadas, por vezes eliminadas, e tudo parecia vir a ser possível. Constituíam verdadeiros princípios, algumas promessas adiadas: "quando eu for professora...", "hei-de conseguir que a Matemática...", "vou conseguir encontrar maneiras de...", "tenho a certeza de que eles..." Respostas tentadas em alguns colegas a quem procurava ajudar nos seus trabalhos escolares...
Na segunda fase, a do início da carreira, professora, mas também uma jovem aluna da Faculdade, considerava que o importante era mesmo que os alunos soubessem "matemática" e que tivessem prazer no que eu estava a ensinar. Para o atingir utilizava todas as estratégias, num ambiente de aula que, embora exigente e muito organizado, permitia que todos se sentissem bem. Privilegiei os conteúdos, fundamentei sempre as explicações, tive preocupação em que os alunos demonstrassem as propriedades e teoremas, justificassem os raciocínios, por escrito e oralmente. Fi-lo sobretudo numa perspectiva matemática. Creio que muitos alunos aprenderam a "matemática" que eu lhes apresentei, de uma forma que julgo ter sido agradável. Senti-o.
Estava, então, a terminar a licenciatura em Matemática no ramo científico. À medida, porém, que ia ganhando alguma experiência, trabalhando com colegas, lendo relatos de outros e obtendo mais formação académica (completei, entretanto, a licenciatura em Matemática no ramo educacional) e profissional, emergiu, quase sem disso me aperceber, uma terceira fase.
Comecei a valorizar de forma diferente a maneira de ensinar, o modo como os alunos aprendem (descobri que havia muitas maneiras de os alunos aprenderem matemática e não apenas a minha...), a gestão da aula, o tipo de tarefas que eu propunha aos alunos e o modo como eles as desenvolviam, a forma como interpretava e desenvolvia o currículo, o modo de trabalhar com os colegas e até o próprio papel da escola.
Não sei quando esta fase começou. Talvez não tenha terminado... Creio que foi evoluindo até hoje. Sublinho aspectos marcantes:
- A função de delegada de grupo: situação favorável para apresentar, discutir e partilhar ideias com colegas de disciplina e desenvolver um trabalho conjunto. Senti sempre este cargo como importante pela reflexão que propicia.
- A gestão de uma escola, que me permitiu ter uma visão macro (e bastante útil) desta instituição e das orientações do próprio sistema educativo.
- As tarefas de organização: não poderei esquecer a responsabilidade (e o trabalho!) da organização dos horários e dos exames.
- O despertar dos alunos para uma matemática diferente e (também) fora do espaço aula (os desafios, os concursos, a resolução de problemas, os jogos, as exposições, as oficinas, as "semanas de Matemática", as encenações, a relação com as artes, a ligação à realidade, ....)
- A importância que passei a atribuir aos trabalhos de grupo, às tarefas interdisciplinares, aos trabalhos de projeto, à diversificação da forma de avaliar os alunos, à integração das tarefas de avaliação nas tarefas de aprendizagem, ao desenvolvimento da autonomia e da criatividade...
- O tentar os (im)possíveis para que os alunos atingissem os seus objectivos e aprendessem uma sólida componente de Matemática.
Por contingências diversas nunca tive oportunidade de acompanhar novos professores como orientadora de estágio ou delegada à profissionalização. Uma pena. Julgo que teria gostado.
Na realidade, o momento marcante, na minha evolução como professora, deu-se a partir da Reforma Curricular, no ano letivo de 1990-1991, na fase de experimentação dos novos programas, em que tive a sorte de me encontrar numa escola onde estes foram experimentados. O tempo histórico era propício: tudo nos era dado e tudo nos era pedido. Era então delegada de grupo.
Numa quarta fase, surgiram os congressos, os seminários de investigação, os livros, o mestrado em Educação, a componente curricular do mestrado em Matemática, os cursos, as publicações, as ações de formação que frequentei ou onde fui formadora, a participação na vida associativa, a organização de congressos, as tarefas institucionais, a participação em grupos de investigação e o doutoramento em Ensino das Ciências, que completei em 2005.
Tive a oportunidade de, durante vários anos, ser professora numa Universidade, num curso de pós-graduação em Educação. Foi uma experiência enriquecedora. Partilhei ideias e experiências com colegas de vários níveis de ensino, numa dupla perspectiva: pedagógica e de investigação.
Sou uma professora de Matemática do Ensino Secundário, que gosta essencialmente de leccionar o 12.º ano e que continua com múltiplas interrogações: O que é a Matemática? O que é ensinar Matemática? De que estamos a falar quando nos referimos à aprendizagem da Matemática? Qual é a Matemática relevante para os alunos aprenderem?
Feito um balanço final, talvez tenha de concluir que esta quarta fase acompanhou a par a terceira, tornando-se ambas quase indissociáveis.
Poderia parecer que é o fim de uma caminhada. Mas não, é apenas o seu início...
"(...)
É o que está feito,
Perfeito e determinado,
É o que principia
No que está acabado."
Ana Hatherly, Um ritmo perdido, 1958
Maria Margarida Silva - Professora em Portugal.
Fonte: Educare.

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